No domingo, 10 de novembro de 2025, o Estádio Maracanã, no Rio de Janeiro, virou palco de uma contradição que só o futebol brasileiro sabe produzir: na tarde anterior, cerca de 30 torcedores do Flamengo se reuniram na porta do Windsor Guanabara, em Copacabana, para aplaudir e gritar o nome de Neymar da Silva Santos Júnior. No jogo, com 65 mil pessoas gritando, o mesmo jogador foi alvo de xingamentos, provocações e até referências ao rebaixamento do Santos. Afinal, o que mudou entre o sábado e o domingo? Nada — só a localização. E a paixão, que não perdoa.
Do aplauso ao xingamento: a dualidade da torcida
Na tarde de sábado, 8 de novembro, enquanto o sol ainda brilhava em Copacabana, um grupo de flamenguistas — alguns com camisas rubro-negras, outros apenas com lenços e bandeiras — esperou por Neymar por mais de uma hora. O astro do Santos, que havia se recuperado de um edema na coxa direita, saiu do hotel por volta das 15h30. Sem qualquer agressividade, os torcedores o cumprimentaram com aplausos, gritos de "Neymar!" e até fotos. Ele respondeu com um aceno da mão esquerda, sorriso discreto, e seguiu seu caminho. O vídeo, postado por @liberta___depre no X, viralizou. "É o que o futebol tem de mais bonito", comentou o jornalista Rodrigo Lima, da Coluna do Fla, em matéria publicada no dia 9. Mas no domingo, às 16h, no Maracanã, a mesma torcida que aplaudiu se transformou. Quando Neymar entrou em campo, o estádio explodiu em um coro de "Santos vai cair!". Cada toque, cada arrancada, cada tentativa de passe era acompanhada por vaias e gritos de "Neymar, vai ser rebaixado!". "Foi a pior recepção da minha carreira", diria ele depois, em entrevista coletiva. "Nunca fui tão maltratado aqui no Rio. E eu já joguei contra o Flamengo em 2011, 2014, 2019... Nunca foi assim."Um cartão, uma reclamação e um árbitro no centro do fogo
Aos 35 minutos do primeiro tempo, Neymar reclamou de uma falta não marcada. O árbitro Raphael Claus, de 41 anos, natural de Jaú, interrompeu o jogo, se aproximou e, segundo o jogador, disse: "Se chegar perto de mim, vou te dar o amarelo." Neymar respondeu: "Não posso falar com você?". O árbitro mostrou o cartão. "Foi arrogância pura", afirmou Neymar na coletiva. "Não é um erro de arbitragem. É uma atitude. Ele me tratou como se eu fosse um criminoso." O cartão foi o único ponto de tensão no jogo que, por outro lado, foi tecnicamente equilibrado. O Santos, treinado por Fernando Dábila Vojvoda, de 52 anos, abriu o placar com um cabeceio de Neymar aos 20 minutos — um dos poucos momentos de brilho do atacante. Mas o Flamengo empatou com Gabigol aos 38, e no segundo tempo, com um gol de Lucas Paquetá e outro de Pedro, virou por 3 a 1. O Santos diminuiu com Luan Perez, mas não teve força para reagir. Neymar foi substituído no intervalo, e ao sair, encarou o técnico com os braços cruzados. "Fiquei surpreso. Não entendi. Estava bem, tinha ritmo. Mas não discuti. Só olhei. E saí.Crise que vai além do campo
A derrota deixou o Santos na 17ª posição da tabela, com 38 pontos em 33 jogos — apenas um ponto acima da zona de rebaixamento, com seis partidas restantes. Mas o que mais pesa não é a classificação. É a dívida. Segundo dados do Departamento de Contabilidade do clube divulgados em 5 de outubro de 2025, o Santos acumula R$ 650 milhões em débitos — o maior montante da história do clube, fundado em 14 de abril de 1912. A crise financeira já levou à venda de jogadores-chave, atraso nos salários e até a suspensão de contratos de alguns atletas, como Victor Hugo, que não jogou por "questões contratuais". Neymar, que chegou ao Santos em 2023 com promessas de revitalizar o clube, tornou-se alvo de críticas até da própria torcida santista. Em julho, após derrota para o Mirassol, ele fez o gesto de "pequeno" com os dedos, apontando para as estrelas do escudo — uma resposta a quem o chamava de "traidor" por ter deixado o clube em 2017. A reação foi imediata: torcedores começaram a insultá-lo nos estádios. Um deles, Alex Silva, chegou a ser identificado e pediu desculpas, mas manteve as críticas: "Ele é um ídolo, mas não é o salvador. O Santos precisa de estrutura, não de estrelas."Um jogador entre dois mundos
Neymar é, hoje, um símbolo de contradição. No Brasil, é o herói que deixou o país para brilhar na Europa, voltou para salvar um clube em crise, mas não consegue ser aceito por ninguém. No Flamengo, é o ex-ídolo que não voltou — e por isso, é o inimigo. No Santos, é o ídolo que não salvou — e por isso, é o culpado. Na Europa, torcedores de clubes como o PSG e o Barcelona o criticam por desempenho. Nas redes, vídeos dele no Maracanã foram vistos mais de 12 milhões de vezes. Muitos dizem: "Isso é futebol. É paixão. É loucura." E talvez seja isso. A paixão não exige lógica. Só exige presença. E Neymar, mesmo quando não joga bem, está sempre lá. No hotel. No estádio. No centro do furacão.O que vem a seguir?
O Santos tem apenas seis jogos para escapar do rebaixamento. O próximo é contra o Coritiba, em casa, no dia 15 de novembro. Neymar deve ser titular. Mas a pergunta que paira é: ele ainda tem força para carregar o time? Ou será que o peso da dívida, da torcida e da expectativa é maior que o talento? Enquanto isso, o Flamengo segue na liderança, com 72 pontos. Mas o episódio com Neymar deixou um rastro: em pleno 2025, o futebol brasileiro ainda não aprendeu a lidar com o passado. E talvez nunca aprenda.Frequently Asked Questions
Por que os torcedores do Flamengo aplaudiram Neymar no hotel, mas o xingaram no Maracanã?
A diferença está no contexto. No hotel, era um encontro pessoal, sem jogo envolvido — uma demonstração de respeito por um jogador de grande valor histórico. No Maracanã, o jogo era decisivo, com o Santos na zona de rebaixamento e o Flamengo em busca de manter a liderança. A torcida vê Neymar como um símbolo da rivalidade, e a paixão do futebol não tolera ambiguidade: ele é inimigo no campo, mesmo que tenha sido reverenciado fora dele.
Qual é o impacto da crise financeira do Santos na performance do time?
Com dívida de R$ 650 milhões, o Santos não consegue manter estrutura básica: salários atrasados, falta de investimento em preparação física, ausência de jogadores por questões contratuais — como Victor Hugo — e até a venda de talentos jovens. Isso reduz a qualidade técnica e o moral da equipe. A ausência de Mayke e a recuperação tardia de Neymar são sintomas da crise, não causas. O time joga com medo, não com confiança.
Neymar ainda tem chances de salvar o Santos do rebaixamento?
Estatisticamente, ainda é possível: com seis jogos restantes, o Santos precisa de 12 pontos para garantir a permanência. Mas o time tem apenas 1 vitória nos últimos 8 jogos. Neymar é o principal atacante, mas não pode ser o único responsável. Sem reforços, sem apoio financeiro e com a torcida dividida, mesmo seu talento pode não ser suficiente. A pressão psicológica é maior do que qualquer técnico pode administrar.
O que o caso do árbitro Raphael Claus revela sobre a arbitragem no Brasileirão?
O caso expõe uma falha estrutural: árbitros estão sob pressão constante de torcidas e mídia, e muitas decisões são tomadas por medo de repercussão, não por regras. Claus já foi criticado antes por excesso de cartões amarelos em jogos decisivos. Se um jogador de elite como Neymar é tratado como ameaça por pedir explicação, o que acontece com jogadores menos conhecidos? A arbitragem precisa de treinamento psicológico, não apenas técnico.
Este episódio é único, ou já houve casos parecidos no futebol brasileiro?
Não é único. Em 2019, após o fim da final da Copa da França, Neymar agrediu um torcedor do Rennes. Em 2022, o ex-jogador Robinho foi recebido com aplausos em São Paulo por torcedores do São Paulo, mesmo sendo ex-índio do Corinthians. O futebol brasileiro tem um ciclo: idolatria, expectativa, frustração, ódio. Neymar vive esse ciclo em tempo real — e o país, como sempre, não sabe se quer abraçar ou enterrar seus heróis.
Como a torcida do Santos reage agora ao próprio Neymar?
Muitos santistas, especialmente os mais jovens, sentem que Neymar não cumpriu a promessa de liderar o clube de volta à glória. Em 2025, após derrotas para times como Mirassol, ele foi vaiado no próprio estádio. Um vídeo de torcedores gritando "Neymar, vá embora!" teve 8 milhões de visualizações. Mas há também quem defenda: "Ele jogou com lesão, pagou o preço, e ainda é o único que faz diferença." A divisão é profunda — e reflete o próprio desespero do clube.